quarta-feira, 27 de setembro de 2006

Desventuras amorosas- Introdução

Desencontros, escolhas erradas, atitudes indevidas ou, simplesmente, azar. Não se pode apontar a razão exata, mas é fato que alguns seres humanos não nasceram predestinados ao sucesso no campo amoroso. E é fato, inquestionável, que eu me incluo nesse grupo de desafortunados.

"Ah, não faça drama", dirão uns. "Nem vem, ainda há muitas histórias por vir", palpitarão outros. Bem, pra comprovar a veracidade da minha teoria, relatarei aqui alguns infortúnios sentimentais inacreditáveis. Todos verídicos! Tirem suas próprias conclusões...

No, woman no cry


Deve ser coisa de canceriana, não sei...mas o fato é que sou chorona. Choro à toa mesmo, pelos motivos mais banais. Nas festinhas da escola do meu filho, fico até meio escondida pra evitar o mico certo: sempre choro! O último episódio desse tipo ocorreu na festa junina deste ano. Pensei: "Ah, dessa vez não vou me esconder. Não vou chorar por uma simples quadrilha de uma turminha de pirralhos!" E fiquei lá, na primeira fila de mães, pra fotografar o rebento. Mais uma vez, passei vergonha. Foi só o moleque entrar vestido de caipira e começar a dançar pra eu me debulhar em lágrimas. E não são lágrimas discretas, daquelas de canto de olho, que a gente enxurra disfarçadamente. Choro de tremer a boca, feito atriz canastrona de novela mexicana. Patético!

Algumas atrações televisivas também são um problema para uma pessoa assim...de emoções afloradas como eu. Aquelas matérias sobre crianças famintas com AIDS na África, por exemplo, sempre me fazem chorar. Até aí tudo bem, acho até compreensível. Deve haver outras pessoas que choram por isso. O problema é que eu derramo lágrimas assistindo a casos do Linha Direta, finais de novela e, acredite, quadros do programa "Caldeirão do Huck" (aqueles em que as pessoas concorrem a prêmios).

Um sábado de ressaca desses, assistia ao programa citado, mais precisamente a um quadro chamado Pulsação. O que vem a ser? Um sujeito vai lá, reponde a meia dúzia de perguntas do tipo cultura de almanaque e, se acertar todas, leva 50 mil pra casa. Nada mal, não? Principalmente se o participante for bem pobrezinho e do tipo esforçado, como o rapaz que concorria no dia em que eu via o tal quadro. Com a grana do prêmio, pretendia reformar a casa da mãe- numa favela carioca- e guardar uma parte pra concluir a faculdade de engenharia. Numa crise de pieguice explícita, me comovi com a história do menino. Ignorando que o progama era gravado e que minha vibrações positivas de nada adiantariam, comecei a torcer por seu êxito nas respostas. Vibrava a cada escolha certa do rapaz! E ele até que era espertinho, embora não soubesse que a tuba não é um instrumento de corda...

O fato é que o menino ganhou. E eu derramei rios de lágrimas quando soltaram aqueles papeizinhos picados no cenário. A cena já seria patética se eu a tivesse protagonizado somente pras paredes. Mas como não há mico sem platéia, ela estava lá. E formado por um grupinho de uns cinco amigos do meu irmão, seres tão sensíveis quanto o Zeca Bordoada da TV Pirata. Acho que não preciso reproduzir as gargalhadas e os comentários proferidos...

sábado, 9 de setembro de 2006

Acidente na Lagoa: e se fosse na avenida Brasil?

O acidente que matou cinco jovens na Lagoa, no último domingo, abalou o Rio. Não se fala de outro assunto. Numa romaria curiosa e macabra, centenas de pessoas de todo o país, enchem de mensagens as páginas do orkut das vítimas, com quem nunca trocaram uma palavra.

Os jornais suitam o caso todos os dias, com direito a uma página inteira do Globo dedicada a carta escrita pelo pai de uma das vítimas. Com tanta repercussão, as autoridades já começaram a anunciar medidas para "evitar novas tragédias". A polícia investiga se o jovem que guiava o carro comprou bebida em frente a boate. A prefeitura já anunciou a instalação de novos pardais eletrônicos para coibir o excesso de velocidade. Uma juíza de menores pediu aos pais vigilância incessante a rotina dos filhos.

Realmente foi uma lástima. Já perdi muitos amigos em acidentes de carro e, como mãe, tento mensurar o que é perder um filho de forma tão abrupta. No entanto, penso que há mais que simples comoção por trás de tanto alarde.

Era um grupo de cinco jovens bonitos, ricos, moradores da Zona Sul, saindo de uma boate na Lagoa num Honda Civic. Assim foi descrita uma das vítimas pelo Globo: "Ivan morava em Ipanema e frequentava a praia do Arpoador. Ex-aluno do Andrews,estudou teatro no tablado(...)".

Minha dúvida é: fossem eles feinhos, com caras de suburbanos, saindo da Via Show num Monza lotado e se espatifassem na Avenida Brasil, teriam sua morte alardeada como a maior tragédia urbana carioca dos últimos tempos?

Desconfio que não...e não pensem que trata-se de preconceito às avessas da minha parte. É um palpite baseado em fatos. Basta lembrar de casos recentes noticiados pela imprensa carioca pra percebermos o quanto ela ainda é elitista.

Em 2003, uma adolescente de classe média morreu durante uma troca de tiros entre policiais e um assaltante no metrô da Tijuca. Como agora, houve cobertura por meses nos jornais, sociólogos e especialistas em segurança pública analisavam o assunto em programas de TV, houve passeata e o escambau. Tudo bem, coitada da menina, a violência deve debatida e analisada, mas peraí! Deixemos a hipocrisia de lado. Outros jovens morrem aos montes, todos os dias, vítimas de balas perdidas, execuções e tiroteios nos morros da cidade e pouco se fala sobre o assunto. Por que será? A verdade é que a vida humana vale menos quando o humano em questão é pobre.

Os pais da Zona Sul sabem que favelados morrem jovens no Rio de Janeiro. Porém, acreditam que seus filhos, no belo cenário em que vivem, aparentemente protegidos do tráfico, dos bondes, da polícia, das guerras entre CV e ADA, não correm tantos riscos. Até que um dia, se deparam com uma cena até então improvável em plena Borges de Medeiros: cinco corpos estirados, cobertos com aquele sinistro plástico preto. A constatação choca: eles também são vulneráveis.

E a imprensa, feita pro seu "público alvo"- outros pais de classe média, em sua maioria- mostra-se também estupefata. Basta observar o título usado pela revista Época na matéria sobre a menina morta no Metrô: "Poderia ser sua filha"

domingo, 3 de setembro de 2006

Léo Loirinho


-Alô. Oi, Douglas, tudo bem? Fiquei sabendo que o Léo tá aí no morro, fala com ele que eu vou aí fazer uma visita
-Não vai dar Tati...você não sabe o que aconteceu?
-Não...o quê foi?
-O Léo morreu. Foi assassinado, mais de 10 tiros. Acho que foi a polícia, não tenho certeza. Até agora não entendi direito...


Léo Loirinho. Era chamado assim pela molecada da favela, a maioria negra, da qual ele destoava com sua pela branca e seu cabelo russinho. O conheci nas festas e eventos do projeto social em que trabalho lá no morro, quando ele tinha uns 15, 16 anos. Diferentemente dos outros garotos, quase não falava e sempre me encarava com um olhar meio desconfiado, "boladão", como eles dizem, o que me fez acreditar, durante um bom tempo, que não ia com a minha cara.

Me enganei. Em pouco tempo, ganhei um parceirinho. Quando ia a festas no morro, ele sempre bancava o garçom-guarda-costas. Enchia meu copo, arranjava coisas pra eu comer, pegava carro emprestado pra me levar em casa...e ainda me protegia de eventuais cantadas inconvenientes. "Respeita ela, que é a professora!"

A casa do Léo é uma das mais bonitas da comunidade. Embora humilde, como todas por lá, tem uma área espaçosa de onde se tem uma vista pra deixar donos de cobertura com inveja: a baía de Guanabara, o Pão de Açúcar, o Cristo Redentor...volta e meia íamos todos pra lá comer peixe na brasa, feito na folha da bananeira. Quando fiz 28 anos, decidi comemorar meu aniversário no morro e ele me ofereceu a casa dele. Acho que foi o melhor aniversário que tive. Até os meus amigos, que ficaram meio ressabiados de subir a favela, se acabaram.

No fim da festa, ele me aparece com um bolinho pequeno, todo rosa, com meu nome escrito. Ele havia encomendado e guardado na geladeira da vizinha até o fim da noite, pra me fazer uma supresa. "Comprei pra você, pra nunca mais esquecer de mim".

Vi o Léo pela última vez num forró lá na favela. Faz uns cinco meses. Ele tava meio estranho...como sempre, veio perguntar se eu queria alguma coisa e eu, brincando, respondi: "Um Whisky, Leozinho". Dez minutos depois, pro meu total espanto, ele volta com uma garrafa de Black Label.

Não entendi nada! Como aquele moleque havia sacado um Black Label na favela? Aliás, como ele havia arranjado grana prum Black Label? "Tô com dinheiro, Tati. Virei patrão agora".

A resposta me deixou com medo. E uma tremenda angústia. Quem trabalha com jovens de favela sabe que a fronteira entre o bem e o mal é mais tênue pros moleques. Por isso, sempre estamos preparados para perder alguns deles. Como aconteceu com o Luizinho, logo que comecei a participar do projeto...

Mas o Léo também? Não, não podia ser. Sabia que já tivera um envolvimento com o tráfico, mas havia se regenerado. Consegui uma bolsa pra que ele e mais dois meninos fizessem um curso no Senai e, depois de formado, ele conseguiu um bom emprego num estaleiro. E tinha acabado de ser pai. Parecia feliz. Parecia...

Logo depois do episódio do Black Label, soube que ele teve um problema sério com a polícia. Antes de fazer julgamentos, liguei pra saber o que havia acontecido. "Melhor você não saber. Vou ter que ir embora pra São Paulo. Acho que não vai me ver nunca mais".

Infelizmente, aquela despedida foi mesmo profética. Três meses se passaram. Ontem a noite, soube que ele estava de volta ao morro, viera visitar a mãe e os amigos. Falei pra um dos meus alunos: "avisa ao Léo que amanhã vou lá ver como ele está".

Não deu tempo. Uns policiais o encontraram antes. Um amigo dele, que viu tudo, disse que foram mais de 10 tiros, a queima-roupa. Ninguém sabe ao certo porque, talvez nunca saberá. Gostaria apenas que a notícia que o Douglas me deu ao telefone fosse a última desse tipo. Mas, infelizmente, tenho a impressão de que não foi...