segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Se eu perder esse 100...


Como meus leitores sabem, sou uma Musa jornalista classe média, mal-remunerada e com bocas para sustentar, o que me obriga a incorporar hábitos de classe D à minha rotina, como encarar o transporte coletivo para me locomover. Desnecessário dizer que jornalista mal-remunerada e com bocas para sustentar não pode ter carro, tampouco andar de táxi. Porém, jamais deixo de dar minha saidelas com medo de encarar um coletivo. Se há lugar em que um ônibus chegue, lá estarei eu!

Uso muito o Charitas-Gávea (nine nine six), a van Charitas-Ipanema e o Santa Rosa-Vila Isabel (703) para chegar aos meus destinos. Mas o meu preferido, sem dúvida, é o POP Niterói-Praça XV, o 100. Exemplo raro de eficiência e pontualidade no universo do transporte coletivo urbano, o querido hundred está sempre à disposição "dos passagêro". Tô saindo da Lapa às 3h da madruga e preciso voltar pra Nikit? É só me dirigir ao Mergulhão da Praça XV e lá estará um 100 me esperando. Tão certo quanto a ressaca do dia seguinte! Perdi aquele? Basta esperar 15 minutinhos para que outro 100 estacione, em ponto de bala, pra me conduzir de volta ao aconchego do lar. E rápido! No trânsito livre da madruga, o hundred leva exatos 20 minutos para chegar ao outro lado da baía. E por módicos R$2,50!!

Todavia, como alegria de pobre ou dura pouco ou é incompleta, o usuário do Niterói-Praça XV enfrenta lá seus percalços. E o pior deles, sem dúvida, é atravessar a Ponte embalado pela Rádio Nativa FM, "o amor do Rio". Preferida por 8 entre 10 motoristas de ônibus (o restante ouve a FM O Dia), a Nativa FM toca coisas que vão de Wanessa Camargo a Calypso, de Bruno e Marrone a Sandy e Junior e, é claro, o tema romântico do casal de protagonistas da novela.

Mas o filé da programação eles deixam mesmo para a madruga. Uma seleção criteriosíssima! Meu passeio Praça XV-Niterói no fim de noite já teve como fundo musical canções de Biafra, Agepê, Benito de Paula, Kátia (a cega) e Jane Duboc. Só clássicos! Quando tenho sorte, ainda embarco a tempo de pegar a "tradução da noite", aquela atração clássica que consiste na tradução quase simultânea da letra de uma canção romântica internacional por um locutor de voz empostada. Espetacular! Principalmente quando viajo levemente embriagada, o que ocorre em 100% dos casos.

E como pobre tem mesmo que pagar de alguma forma quando a esmola é muita, os condutores do 100 não só ouvem a rádio Nativa FM- o amor do Rio- como ouvem alto, muito alto. A ponto de eu nunca conseguir ouvir meu ipobre no ônibus, uma vez que a música que sai do fone é sempre abafada pelo "som ambiente" do coletivo.

Dia desses fui pra Lapa tomar uma cerveja, esquecer o pescoção do jornal e cumprir outras missões. Saltitante, queria chegar logo e, é claro, me dirigi ao ponto do 100. Como sempre, o meu coletivo preferido estava lotado. Afinal, um meio de transporte tão eficiente não poderia deixar de ser o mais procurado. Por isso mesmo, o 100 carrega todo tipo de gente à noite. De peão de estaleiro aos roots com camisetas de Bob Marley, que vão pro shows de reggae na Fundição. Tem também as patricinhas pobres de Gonça, com seus cabelos emplastrados de creme, os marinheiros que embarcam na Ponte e os neo-pobres quase comuns como eu, que simplesmente não têm carona ou grana pro táxi. Outro espécime social encontrado é a quarentona solteira (e à perigo), que sai toda paramentada para ir a um forró muito trash que rola nas insalubres imediações na Rodoviária Novo Rio. E foi uma dessas, uma gordinha deveras assanhada (que embora mal conseguisse passar pela roleta vestia uma blusinha de malha justíssima e uma saia mais justa ainda), que travou o seguinte diálogo com o cobrador:

- Aí, Nem! Passa na Rodoviária?
- Passa, sim. Vai lá no forrozim?
- Claro, meu filho. É hoje que eu vou dançar muito. E beijar muuuuuuito!
- Ih, então você vai gostar. Aquilo lá é o paraíso.


E a gordinha concluiu, toda faceira e rebolativa:
- Não quero encontrar o paraíso, não. Quero é o inferno!!

Que experiência antropológica interessante é viajar de 100...

19 comentários:

Anônimo disse...

Coisa linda.
E digo mais, se ela quer o inferno, eu quero o mundo cão.
Viva o trashtismo!

Anônimo disse...

Pô, pensei que nunca ninguém faria uma homenagem dessas do 100. Ah! Mas, vc esqueceu de contar que nós já até ouvimos pérolas da MPB no nosso coletivo preferido. Lembra não? "Ah, são coisas do Brasil. Coisas do amor", na empolgante voz de Leila Pinheiro. Diz a verdade aí, era madrugada, e a gente mal conseguia se conter, quase fizemos um coro.

Musa de Caminhoneiro disse...

Nossa, Andréa. Como esquecer desse momento Leila Pinheiro??? O 100 é mesmo fantástico...

Anônimo disse...

Nossa!
Não leio uma crônica dessas, desde os bons tempos do L.F. Veríssimo!

E o melhor, é que essa crônica também faz parte do meu cotidiano. Eu sempre digo que você não espera o 100; ele é quem te espera!
Pode ser inacreditável, mas 1 vez, peguei o 100 e consegui ouvir a JB FM, no trajeto todo!, mas acho que descobriram que o motorista estava traindo a classe, e passaram ele para uma linha de SãoGonça, pois nunca mais vi o pobre-coitado

Anônimo disse...

Eu já ouvi a tradução da noite no 100.

Anônimo disse...

Essa menina é um talento. Você traduziu muito bem o que é viajar no 100. Parabéns!

Anônimo disse...

Há! 100 é a válvula de escape pro outro lado da poça!
Mas nem se liga... Melhor que o 100 são os "Alcântara" que saiem dos lugares mais obscuros (não do meu, claro!) e se concentram todos na Alameda... Acho que Alcântara tem uma densidade populacional superior à da China ou Japão.
Falous!

Gabriela Martins disse...

Ha ha ha ha ha ha ha ha ha...

E eu só fui ler isso hoje. Genial!

Anônimo disse...

As minhas madrugadas niteroienses sempre terminavam em um dos bancos do 100 com destino ao Rio. E o slogam era:

"100: Sempre tem!"

Anônimo disse...

Esqueci de dizer que o 100 é a prova da excelência em gestão de transporte público, pois mesmo circulando de madrugada, a cada quinze minutos, nunca atravessa a ponte vazio.

Musa de Caminhoneiro disse...

Rodrigo, depois que descobri que existe uma linha Alcântara-Méier, não duvido mesmo que o povo de lá (que insite em dizer que mora em Niterói) vá dominar o mundo!

Anônimo disse...

Isso já da um bom texto...
Alcântara não é Niterói!

Anônimo disse...

ahahhhaa
Impressionante!! Me colocando no lugar da pessoa "levemente embriagada" me sinto como um passageiro de primeira classe ,dormindo sempre na viagem e alguém dizendo em voz alta no final do trajeto - Chegou Niterói!
Aah, grandes noites de 100! auhauhauuahua
Parabéns Musa!! Show!

Anônimo disse...

Pra que baseados? Vou viajar de 100!!
huaauhauhauhauhauhauh

Juliana disse...

Minha melhor viagem de 100 foi quando eu voltava com o Nelson cantando "Meu Mel", o hit de Markinhos Moura.
E tô triste agora: nunca ouvi "nao está sendo fácil viver assim, vc está grudado em mim". Ixe! Parando pra pensar, essa frase é perfeita pro 100 lotado! hahaha
Bjsss

Juliana disse...

P.s.: Adorei esse post!!!

Anônimo disse...

Já mandou sua crônica para a empresa? Manda vai, aí vc vira musa dos caminhoneiros e dos "piloto de Fórmula 100".
Bj

Luis Nunes disse...

Olá desculpa, estou meio que de penetrão no seu Blog, eu estava dentro do 100 às 6h de um domingo e você ficou meio que de joelhos na poltrona ao meu lado conversando com um rapaz que viajou com você no ônibus na ida e reencontrou o mesmo na volta. Você começou a comentar sobre a cronica do 100 eu achei engraçado e interessante e guardei na memoria e passei aqui para dar uma olhadinha...achei maravilhoso, você esta de parabéns, amei seu blog!
Beijos
Saúde, Paz e Sucesso

Carmen disse...

eu costumo dizer que o 100 é pai de todos os ônibus !!
hsuahosiuasoiaushiaus